sexta-feira, 12 de abril de 2013

Tiradentes: um herói para a República.



Martírio de Tiradentes, óleo sobre tela de Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo (1854 — 1916). Imagem: http://www.museuhistoriconacional.com.br/

A necessidade de herói para a República eram os símbolos de poder e a encarnação das ideias republicanas, pois seriam instrumentos eficazes para atingir a população e desse modo legitimar o poder político. Não há regime que não possua seu panteão cívico. Em alguns surgiu espontaneamente em outros foi necessário esforço na promoção do herói. O herói tem de ter a cara de sua nação, responder as necessidades e aspirações de seu povo, ele deve responder ao modelo coletivamente valorizado.

No Brasil houve esforço em promover as figuras do 15 de novembro, Deodoro era o mais cotado a papel de herói republicano. O velho militar doente, mal conseguindo cavalgar sua montaria posse a frente de suas tropas. Ai havia indícios de heroicidade. Mas, seu incerto republicanismo pesou contra ele. Havia também Benjamin Constant, um republicano irrepreensível, mas seu problema era a ausência do espírito heroico, pois não fora militar e nem líder popular. Outro candidato era Floriano Peixoto que adquiriu maior dimensão a partir da Revolta da Armada no Rio de Janeiro e da Revolução Federalista no Sul. Sua resistência deu inspiração ao jacobinismo republicano do Rio de Janeiro, que viu tintas populares na República. Floriano poderia ser um herói republicano para os jacobinos, mas não para a República que estava sendo construída.

A pequena densidade histórica do 15 de novembro (uma passeata militar) não fornecia terreno adequado para a germinação de mitos, pois foi quase nula a participação popular. Os únicos heróis que o povo conhecia até então eram os que lutaram na Guerra do Paraguai, como: Caxias, Osório e Tamandaré.

Diante das dificuldades encontradas pelo regime em promover os protagonistas de 15 de novembro, foi que se revelou Tiradentes capaz de atender ás exigências da mitificação. Tiradentes não era um desconhecido dos republicanos que vinham desde 1870 tentando resgatar sua memória.

Mas quais foram às razões da adoção de Tiradentes e que conteúdo teria sua figura como herói?

A pessoa histórica de Tiradentes houve e continua a haver intensa batalha historiográfica. Até hoje se discute qual seu real papel na Inconfidência Mineira, sua personalidade, convicções, aparência física em relação a construção da mitologia. Sabemos pouco sobre as memórias de Tiradentes em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. A notícia da condenação à morte de onze réus, dada em 19 de abril de 1792, abalou a cidade do Rio de Janeiro. Mas em seguida todos  foram perdoados com exceção de Tiradentes. Segundo José Antônio Marinho, a província de Minas Gerais tem a glória de haver dado os primeiros mártires à independência e liberdade do Brasil.

Mesmo viva na memória popular, a Inconfidência era tema delicado para a elite culta do Segundo Reinado. Não foi por acaso que as primeiras referências à rebelião vieram de um historiador estrangeiro, Robert Southey que critica os excessos e a barbárie das leis da época. A segunda referência aos Inconfidentes foi feita no livro de Charles Ribeyrolles, Brasil pitoresco. Ribeyrolles era um republicano radical e em seus textos Tiradentes aparece com as cores próprias de um herói cívico. É o mártir que soube morrer sem traço de temor, pois “se sacrifica por uma ideia”.

A literatura brasileira começou a se ocupar do tema antes que a historiografia o fizesse por meio de Castro Alves e outros. Havia poderosa simbologia na luta entre Pedro I e Tiradentes. O Clube Tiradentes em 1882, publicou um texto de Luís Gama faz um paralelo entre Tiradentes e Cristo. Comparando a forca com a cruz, o Rio de Janeiro com Jerusalém e o Calvário ao Rocio.

Em 1872, já havia sido proposta a construção de um monumento a Tiradentes no Rio de Janeiro. A luta pela construção do mito Tiradentes teve um dos marcos em 1873, com a publicação da obra de Joachim Norberto de Souza Silva. História da Conjuração Mineira. Tiradentes segundo, Norberto tinha escolhido morrer com o credo nos lábios em vez de fazê-lo com o brado de revolta – viva a liberdade!

Os republicamos protestaram. Negavam que Tiradentes havia beijado as mãos e os pés do carrasco, caminhado para a forca em solilóquios com o crucifixo, não acreditavam que ele havia se recusado a vestir roupa. Reagia-se que Tiradentes teria se tornado um místico na prisão e perdido a rebeldia patriótica. Os republicanos acreditavam que os frades franciscanos haviam feito lavagem cerebral em Tiradentes.

Mas o misticismo final de Tiradentes não destruiu seu apelo patriótico e muito menos tirou suas credenciais de herói cívico se sacrificará por amor a uma ideia. Após a proclamação da República, intensificou-se o culto cívico a Tiradentes. O desfile que passou a fazer parte das comemorações do 21 de abril lembrava a procissão do enterro de sexta-feira santa. As analogias apareceram já no primeiro desfile em 1890. O préstito saia da Cadeia Velha, em que Tiradentes esteve preso, os positivistas levavam um busto do mártir, uma carreta seguia para lembrar a que, em 1792, servira para transportar o corpo da “santa vítima” após o enforcamento. Era o “enterro” da nova via-sacra.

Não existia nenhum retrato de Tiradentes e a estilização e a acentuação da semelhança com Cristo nas representações artísticas se tornavam mais fortes.

Além do óbvio apelo à tradição Cristã do povo, que transmitia a imagem de um Cristo cívico. Outro fator importante foi a posição geográfica. Tiradentes era herói de uma área que na metade no século XIX já era considerada o centro político do país (Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro). Mas o maior ponto para a vitória de Tiradentes como mártir foi o fato de participar da conjuração, mas não ter derramado sangue e não ter criado inimigos. Tiradentes era o mártir ideal e imaculado na brancura de sal túnica de condenado. Vitima do governo português, vitima de traição por parte de um amigo (aqui seria feita uma relação com a traição de Judas para com Cristo).

Era o totem cívico. Não antagonizava ninguém, não dividia as pessoas e as classes sociais, não dividia o país, mas pelo contrário ligava à república à independência e a  liberdade ainda que tardia.

No final do Império, inicio da República, até mesmo os monarquistas começaram a reivindicar para si a herança de Tiradentes. Alegavam que ao libertar o país, realizavam o sonho de Tiradentes. O governo militar também procurou se utilizar da figura de Tiradentes, declarando-o patrono cívico da nação e mandou colocar retratos seus em todas as repartições publicas apartir de 1965. A esquerda também dele não abriu mão, expondo sua imagem na pintura de Portinari que lembra a cena do Calvário.

Mas acima de tudo o segredo da vitalidade do herói talvez esteja, afinal, nessa ambiguidade.

12/04/2013

Leandro Claudir é Acadêmico de História pela Universidade Luterana do Brasil, Técnico em Informática pela QI Escolas e Faculdades. Habilitado em Liderança de Círculos de Controle de Qualidade Empresarial pelo Sesi. Criador e Administrador do Projeto Construindo História Hoje. IBSN- 7837-12-38-10.

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Você quer saber mais? 

CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Editora Schwarcz LTDA, 1997.



































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