segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

O cotidiano brasileiro durante a Segunda Guerra Mundial

No caminho para a Europa, havia Natal. Nunca antes a cidade tinha recebido tantos turistas. Rapazes brancos que em poucos dias ficavam cor de laranja sob o sol, o que não espantava as moças da cidade. Elas cercavam os GIs para conhecer as novidades, inéditas na história do país. Whisky, Coca-Cola, Lucky Strike, foxtrot e bombardeiros de 16 toneladas.

A Segunda Guerra Aqui. Imagem: Felipe Massafera.

Cotovelo geográfico

Hoje, quem anda pela orla em Natal chega a Miami. A praia de Miami, assim batizada graças a quem a frequentava 70 anos atrás. No auge da Segunda Guerra, tomar sol em Miami, Rio Grande do Norte, era um dos passatempos dos 10 mil soldados americanos que, entre 1942 e 1945, operavam as bases militares mais importantes dos aliados no Hemisfério Sul - o Campo de Parnamirim e a Base Naval de Hidroaviões.
Espécie de cotovelo entre a América e a África, o Nordeste brasileiro era considerado pelos americanos um dos pontos mais estratégicos do mundo. Os aviões militares, que partiam da Miami original, nos EUA, faziam escala em Porto Rico, Trinidad e Belém - para depois partirem rumo a Senegal, Togo e Libéria e daí à Europa, levando carga ou os próprios bombardeiros, como as fortalezas voadoras B-17 e B-24. Parnamirim virou o aeroporto mais congestionado do mundo, com até 800 pousos e decolagens por dia. "Antes pacata e tranquila, a vida noturna de Natal alterava-se profundamente: era agora agitada e trepidante; bares e boates surgiam da noite para o dia", escreve o jornalista Murilo Melo Filho em seu livro de memórias, Testemunho Político. A americanização logo chegou aos trajes. Os homens abandonaram os ternos e as calças de risca-de-giz e passaram a vestir roupas cáqui de inspiração militar. As calças de brim azul, usadas nas horas vagas por recrutas americanos, chegaram ao Brasil via Natal - embora só fossem se espalhar pelo país na década de 50. As moças - que antes só passeavam na companhia de pais e irmãos, vestidas com saias rodadas - agora andavam sozinhas, de calças compridas, mascando chicletes, o sinal inconfundível da modernidade.

Além dos soldados, Natal recebeu estrelas do showbiz, enviadas pelo governo dos EUA para levantar o moral das tropas. Humphrey Bogart veio animar a estreia de Casablanca no teatro da base, em 1942. A orquestra de Glenn Miller tocou no Cine Rex. Nos prédios das bases militares, sucediam-se festas onde os combatentes americanos se misturavam aos jovens - e, principalmente, às jovens - natalenses.

Além de cortejar as moças de família, os americanos eram frequentadores de prostíbulos como o Wonder Bar, a Casa da Maria Boa, a Pensão Estela e o Bar Ideal. (Para controlar as doenças venéreas, os médicos do exército passaram a examinar as moças da zona de meretrício e as garotas saudáveis ganharam atestados chamados love cards.) Em Natal, mais do que em qualquer outro lugar das Américas, a política da boa vizinhança era um tremendo sucesso.

A Política de Boa Vizinhança do presidente americano Franklin Roosevelt era uma doutrina para toda a América Latina, visando combater o antiamericanismo e as simpatias pelo Eixo por meio de trocas culturais patrocinadas pelo Estado. Quando o Brasil entrou na guerra do lado aliado, em 22 de agosto de 1942, assumiu mais que um compromisso militar. Os americanos deixavam de ser figuras de cinema para se tornarem presenças físicas. Os brasileiros, antes só exóticos, viraram exóticas figuras de cinema.


-O que é isso, senhora Miranda?
-Um reco-reco
-Reco... reco? - a voz poderosa vinha em fortíssimo sotaque americano.
-Sim. E isto é um pandeiro.
-Pandeiro?

-Sim, um pandeiro. Algo errado, mister Welles?
-Nada. É que às vezes fico meio confuso.

Era 15 de novembro de 1942 e o diálogo ocorria em um estúdio no Rio de Janeiro, transmitido diretamente à radio CBS dos EUA. Ao redor do microfone estavam Orson Welles - a voz mais famosa do país, graças à transmissão de A Guerra dos Mundos, em 1938, e que havia acabado de estrear no cinema com Cidadão Kane - e Carmem Miranda, que na época já era uma estrela de Hollywood. Ela tinha migrado aos EUA meses antes da guerra - quando o conflito começou, havia estourado na Broadway com o musical Streets of Paris, cantando Mamãe Eu Quero. Lá, ganhara o apelido de brazilian bombshell. Carmen era a encarnação da política de boa vizinhança: em 1940, se apresentou na Casa Branca e no mesmo ano foi eleita a terceira personalidade mais popular de Nova York.

Nas dezenas de filmes dos quais participou em Hollywood, Carmem se tornaria um estereótipo não só do Brasil mas também de toda a América Latina. Já Welles havia sido enviado para cá com a incumbência de gravar um documentário sobre o país - encomenda do Office of Interamerican Affairs. Welles virou figura folclórica nas noites cariocas: acompanhado de tipos como Grande Otelo, tomava proverbiais bebedeiras de cachaça, colecionava amantes e discorria sobre as origens comuns do jazz e do samba para extasiados convivas em bares e boates.

O Office havia enviado ao Brasil outro personagem ilustre: Walt Disney. O Rio de Janeiro foi a principal parada em uma viagem pela América Latina, no início de 1941 - uma espécie de pesquisa de campo para um filme de propaganda da amizade continental. Disney instalou seu QG no Copacabana Palace e cercou-se de artistas locais para sentir o clima. Com a ajuda de cartunistas brasileiros como J. Carlos e Luiz Sá, criou o maior sucesso da Disney no Brasil: Zé Carioca. Aliás, não criou: encontrou. Na comitiva brasileira estava o músico José do Patrocínio Oliveira, paulista de Jundiaí. Como membro do Bando da Lua, a banda de Carmem Miranda, viveu nos EUA, onde aprendeu inglês. Foi assim, sendo ele mesmo, que interpretou o papagaio Zé Carioca na animação Alô, Amigos, de 1942. Pois é, Zé Carioca era paulista. O personagem ainda é publicado no Brasil, enquanto ninguém se lembra mais dele no exterior.

A missão de Welles não foi tão bem-sucedida: em vez de gravar loas ao governo Vargas - conforme a encomenda -, ele registrou a vida nos cortiços cariocas e de tecelões e pescadores pobres no Nordeste. Os rolos acabaram confiscados. As imagens do documentário ainda existem, mas nunca foram montadas.O filme se chamaria: It's All True (É tudo verdade).

Matérias-primas

Os EUA não queriam a amizade do Brasil apenas por bases e danças exóticas nem pagaram com papagaios: como parte dos acordos com o governo Vargas, os EUA financiaram a construção da Usina Siderúrgica Nacional de Volta Redonda - que custou 200 milhões de dólares da época (hoje cerca de 2,6 bilhões de dólares). Do Brasil, os EUA queriam matérias-primas importantes ao esforço de guerra. A principal era a borracha, usada em tanques, jipes, aviões, uniformes e armamentos.

A indústria da borracha estava praticamente morta no Brasil desde o início do século 20. Nativa da Amazônia, a seringueira foi plantada pelos ingleses em suas colônias do Sudeste Asiático e essas plantações tinham uma produção muito maior que as brasileiras, pois estavam livres de pragas nativas. Mas os japoneses ocuparam a região e bloquearam o acesso às plantações. Além disso, o Brasil era fonte de materiais que iam desde minérios simples, como ferro e manganês, até diamantes industriais, óleos vegetais e carne em conserva. E era o único produtor disponível de cristais incolores de alta qualidade, o quartzo, utilizados em aparelhos de comunicação, detectores de som e de localização usados contra submarinos e aviões. A cera de carnaúba, palmeira nativa do Brasil, tem várias aplicações industriais: era usada na produção de vernizes à prova d’água pela indústria bélica. Os bichos da seda, cultivados por pequenos produtores japoneses em São Paulo, eram essenciais na fabricação de paraquedas. E a hortelã-pimenta dava origem ao mentol, que aumentava a potência da nitroglicerina.

Ao decretar guerra aos países do Eixo, Vargas tinha uma dura tarefa de convencimento. Muitos brasileiros admiravam a Alemanha. Havia mais de 200 mil descendentes de alemães no Brasil.

"Cresci ouvindo dizer que os alemães eram o povo mais inteligente e avançado da Terra. Já os EUA não tinham grande expressão antes de 1939. Essa admiração pelos americanos só veio depois dos afundamentos dos nossos navios"

Osias Machado, veterano da Aeronáutica.

Vida de imigrante

Para a sorte de Vargas, os nazistas fizeram sua parte em cultivar o ódio dos brasileiros. Em agosto de 1942, o irmão mais velho de Osias, Messias, vivendo no Rio de Janeiro, mandou um telegrama avisando que iria ao Nordeste no navio Itagiba. Em 17 de agosto, correu a notícia de que o barco fora afundado no litoral de Sergipe. Era a quarta vítima de torpedos alemães no mês - represália ao alinhamento do Brasil com os EUA, no início do ano. Até o fim de agosto, mais de 600 brasileiros morreriam. "Achei que meu irmão estivesse no fundo do mar. Aí, pensei: agora é guerra. Quero vingança." Dias depois, veio o alívio: Messias não havia embarcado no Itagiba. Mas a semente estava plantada.

 "Passei da admiração ao ódio em questão de dias. Juntei um grupo de amigos e saímos quebrando o que fosse de gente do Eixo. Não me arrependo."

Osias Machado, veterano da Aeronáutica.

A raiva de Osias não era incomum. Em 19 de agosto de 1942, uma multidão saiu às ruas de Porto Alegre.

"Formou-se uma grande concentração popular em frente ao Cinema Central, daí irradiando-se por toda a cidade. Os manifestantes saíram correndo pelas ruas, iniciando as depredações que se estenderam até altas horas. Na Sociedade Germania, os manifestantes penetraram no edifício, retiraram os móveis e utensílios para o meio da rua e os incendiaram"

Jornal Correio do Povo, 19 de agosto de 1942.

Brasil e a Segunda Guerra Mundial. Imagem: Arquivo Pessoal CHH.

Até os comunistas aderiram à mobilização de Vargas. Na época, muitos líderes estavam presos. Ainda assim, os esquerdistas em liberdade se uniram ao regime contra o inimigo comum. "Os membros do PCB que não estavam em cana chegaram a criar um slogan na época: “Quem é jovem vai pra guerra”. E a palavra de ordem foi levada a sério", diz o historiador René Gertz, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
O Estado Novo foi um regime autoritário nacionalista - pelo decreto-lei 406, de 4 de maio de 1938;

*As escolas em língua estrangeira foram proibidas.

*No ano seguinte, foi a vez das igrejas - só o latim sobreviveu nos rituais católicos.

*Quando o Brasil entrou na guerra, também foram proibidas publicações em qualquer língua que não o português.

*Para viajar de um estado a outro, descendentes de alemães, italianos e japoneses precisavam de salvo-conduto emitido pela polícia.

*Descendentes de alemães, italianos e japoneses não podiam se reunir, nem mesmo em casa.

De 1942 a 1945, cerca de 3 mil pessoas foram presas sob acusações de serem "súditos do Eixo" e enviados para 12 campos de prisioneiros, os maiores nas cidades paulistas de Pindamonhangaba e Guaratinguetá.

O preço do azeite

Em janeiro de 1944, na véspera de embarcar para um treinamento nos EUA, Osias, voluntário do 1º Grupo de Caça da Força Aérea Brasileira, resolveu se despedir almoçando à beira da baía de Guanabara. Com o uniforme da FAB, entrou no restaurante Albamar - que existe até hoje - e pediu peixe. De garfo à mão, deu uma espiadela no vidro de azeite. "O azeite custava 20 cruzeiros. O peixe, uns 5", lembra. O azeite era e ainda é importado. Com o comércio internacional bloqueado pelos submarinos alemães, o preço se tornou impraticável. Osias ponderou e deu de ombros, pedindo o peixe sem azeite mesmo. Foi interrompido por uma voz com sotaque português na mesa ao lado, entre indignada e gentil. "Na minha terra, quem vai guerrear almoça de graça. E peixe só se come com azeite. Eu pago tudo." Pela gentileza do lusitano filantropo, Osias pôde enfrentar os nazistas com a força adicional do azeite de oliva.

Racionamento

A falta de itens elementares, como pão branco, gasolina e diesel, tornou-se parte do dia a dia bem antes do rompimento das relações diplomáticas com o Eixo. Em 1939, a escassez de trigo esvaziava os fornos das padarias - o Brasil sempre importou trigo. Em 1942, o governo tentou resolver o problema criando o "pão de guerra", feito com farinha de milho. Os preços eram tabelados. Em São Paulo, o pão branco custava 2,50 cruzeiros. O pão de guerra, 1,60. "Foi um dos momentos em que a mobilização da guerra chegou fundo no cotidiano das pessoas. O pãozinho branco já estava muito instituído entre nós", diz Roney Cytrynowicz, autor da obra Guerra Sem Guerra: a Mobilização e o Cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial.


Nos bares e restaurantes, reclamava-se que o pão de guerra tinha gosto de areia. Mas, se faltava pão, havia macarrão - importado da Argentina. Nascia o "pão de macarrão", tão popular que sua receita ainda pode ser encontrada no livro Não É Sopa, de Nina Horta, de 1995. Petróleo e carros eram outra parte importante do cotidiano. Para contornar a escassez (o país importava cada gota de óleo), em 1940 o governo decretou que todo proprietário de dez automóveis deveria ter, pelo menos, um movido a gasogênio. Em 7 de maio de 1942, começaram os racionamentos. Em julho, carros particulares foram proibidos no Rio. Logo, a maioria dos donos de carro teve de trocar os motores.

O colapso nos transportes levou à falta de outros itens - os ovos, o açúcar e o sal demoravam para chegar às grandes cidades. Em 1944, começou a faltar até lenha. Não havia peças automotivas, na maioria importadas. Em outubro, em São Paulo, havia mais de 300 ônibus parados por falta de chassis. No auge da escassez, o Correio Paulistano descrevia uma cidade vazia: "Nas grandes vias ermas, os distraídos pedestres atravessam as ruas sem olhar para os lados. As ruas ficaram limpas de automóveis".


A escassez levou à inflação: em São Paulo, o preço dos alimentos aumentou 400% durante os anos de guerra. O açúcar passou a ser racionado: em novembro de 1944, a cota por pessoa era de 750 g a cada 15 dias. Para comprar os gêneros que faltavam, eram usados cartões de racionamento - nos quais os donos de lojas e mercados anotavam a quantia de produto vendido. Em alguns bairros, para comprar carne, as filas começavam às 4 da manhã e os açougues só abriam duas vezes por semana. O caos nos transportes multiplicava filas na frente dos teatros, dos cinemas e das paradas de bonde - eles não foram tão afetados porque a matriz energética do Brasil era hidroelétrica.

Quem quisesse fugir dos bondes entupidos e com gente pendurada nos balaústres tinha de dividir um táxi com desconhecidos. "Ao fim do dia, os taxistas escreviam com giz o nome dos bairros residenciais no para-brisas e se enfileiravam, enquanto aguardavam os passageiros com destino comum", escreveu o jornalista americano Robert Moore, que visitou o Rio em 1944.

 "Quem deseja um táxi só para si é obrigado a pagar uma fortuna pela corrida."

Robert Moore, jornalista estadosunidenses em visita ao Rio de Janeiro de 1944.

Além dos americanos, de racionamentos e da perseguição a estrangeiros, o governo fez mais para trazer a guerra para perto. Em 1942, passaram a ocorrer blecautes nas maiores cidades brasileiras, um exercício de guerra para o caso de ataque aéreo ou naval. Cartilhas foram distribuídas para explicar o procedimento. Às 21 horas, tocavam as sirenes, escureciam os cinemas, apagavam-se a iluminação pública e até os faróis de carros. No Rio, os holofotes do Corcovado ficavam desligados. Em Salvador, até os tambores dos candomblés cessavam. "Pelas esquinas, rondavam os vigias, atirando pedrinhas nos telhados de casas onde houvesse luzes acessas. Portas e janelas eram acortinadas com pano preto, as frestas tapadas com jornal. Todos esperando o bombardeio", conta o escritor Paulo Carvalho-Neto em Morrer pelo Brasil.

Em Natal, o Dia da Vitória, 8 de maio de 1945, foi um fiasco. Multidões comemoravam na Times Square de Nova York, na praça Vermelha de Moscou e na avenida Rio Branco, no Rio. Ali ninguém saiu às ruas. O Teatro Carlos Gomes, onde seria celebrado o evento, estava deserto. Os organizadores foram às ruas para catar mendigos e prostitutas para ocupar os 600 lugares vazios. O discurso da vitória foi feito para uma plateia sonolenta, totalmente desinteressada. O for all, ou forrobodó, havia acabado.

Espiões nazistas no Rio

Fundado em 1928, o braço brasileiro do Partido Nazista era o maior fora da Alemanha - chegou a contar com mais de 2 mil membros, quase todos saídos dos 200 mil descendentes de alemães que viviam no Brasil na época. A seção brasileira do Partido Nazista foi desbaratada em 1938, quando Getúlio Vargas proibiu todos os partidos políticos, inclusive os estrangeiros. Mas isso não impediu que a Abwehr, o serviço de informações de Hitler, armasse uma rede de espionagem em solo brasileiro. Os espiões do Reich (na maioria amadores) passavam informações sobre política interna, geografia e movimento nos aeroportos por meio de rádios piratas, cartas com tinta invisível e microfotografias. Após a entrada do Brasil na guerra, todos os descendentes germânicos viraram suspeitos e muita gente inocente foi presa só por dizer guten tag (bom dia) na rua. Espiões de verdade foram também pegos: um dos líderes do esquema, o empresário Albrecht Gustav Engels, foi preso no Rio de Janeiro em 1943.

Fogueira no porta-malas

Para suprir a falta de gasolina e diesel, o governo brasileiro passou a produzir em 1941 carros e ônibus movidos a gasogênio - um aparelho instalado na parte de trás do veículo que transformava carvão vegetal em combustível. Pouco a pouco, os carros a gasogênio se multiplicaram pelas ruas de cidades grandes, como São Paulo - mas mesmo eles eram proibidos de trafegar entre 9 da noite e 5 horas da manhã. Como o pão de guerra, o gasogênio não caiu no gosto de ninguém. Além de demorar para funcionar, o carro tinha metade da potência de um motor à gasolina. "Fazia uma bagunça danada. Imaginem: era como ter de acender todos os dias uma fogueira no porta-malas do carro", lembra o veterano de guerra Osias Machado. Assim mesmo, São Paulo conseguiu organizar em 1944 seu primeiro Grande Prêmio de Automobilismo em Interlagos - só com carros à base de gasogênio. O motorista vitorioso, Chico Landi, futuro piloto de Fórmula 1, foi celebrado como um herói do esforço de guerra.

A batalha da borracha

Enquanto a festa acontecia em Natal, um aspecto mais sombrio dos acordos entre Brasil e EUA se desenrolava na Amazônia. Para suprir a necessidade dos aliados por borracha, Vargas organizou um verdadeiro exército de 50 mil pessoas para sangrar as seringueiras da floresta. A maioria desses "soldados da borracha", como ficaram conhecidos, veio do Nordeste, que em 1942 passava por uma seca gigantesca. Caminhões entupidos de nordestinos embrenharam-se por estradas tortuosas e esburacadas, desde o sertão até o coração da selva. "Mas aquela gente estava acostumada à caatinga seca, e não à floresta úmida. Milhares morreram tentando colher látex, de doenças pulmonares, por picadas de aranhas e cobras etc.", diz René Gertz, da UFRGS. Estima-se que entre 15 mil e 20 mil soldados da borracha tenham morrido nas profundezas da Amazônia. Para comparação, o número de soldados brasileiros mortos em batalha na Europa ficou em 465.

Os "corações sujos"

Os imigrantes japoneses foram o grupo mais afetado pelas perseguições aos "súditos do Eixo". Em 1943, 305 famílias de moradores das ruas Conde de Sarzedas e Estudantes, no bairro da Liberdade, em São Paulo, foram despejadas à força. Pouco depois, mais de 7 mil japoneses ou descendentes acabaram expulsos de Santos e enviados para a zona rural. A triste ironia é que a mais ativa organização nipônica não agia contra brasileiros - mas contra os próprios imigrantes. Após a rendição japonesa, em 1945, nasceu em São Paulo a organização Shindo Renmei. Militarista e ultranacionalista, afirmava que as notícias da derrota eram parte de um complô - e os imigrantes ou descendentes que acreditassem nelas eram chamados de "corações sujos". Apoiada por 80% da comunidade japonesa, a seita começou uma campanha de terror contra os "derrotistas": de janeiro de 1946 a fevereiro de 1947, assassinos da Shino Renmei mataram 23 imigrantes.

José Francisco Botelho e Ricardo Lacerda

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Você quer saber mais? 

CYTRYNOWICZ, Roney. Guerra Sem Guerra: A Mobilização e o Cotidiano em São Paulo Durante a Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Edusp, 2000.

MOURA, Gerson. Tio Sam Chega ao Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1995.












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